Foto clássica com o busão porque eu sou suburbana! |
Na galeria Cosmococa |
Inhotim
é a Disneylândia da arte contemporânea. Tudo lindo, tudo limpo, mas tem muita
sujeira por baixo do tapete verde. Até por isso, é preciso pisar com cuidado,
fazer cara de paisagem e aquele silêncio para não incomodar os mortos. Lá, a
vanguarda vã guarda o caixão da especulação imobiliária e se envolve em
esquemas de lavagem de dinheiro. Enquanto Brumadinho – um pequeno fim de mundo
– fica a espera o futuro.
Desculpem
a acidez, não é preconceito. Mas confesso que a minha mania de não ler a sinopse
do filme me deixou com falsas expectativas. A ideia de uma galeria de
arte-moderna à céu aberto me pareceu genial. O problema é que Inhotim tem um
milhão de metros quadrados onde só o ar é livre. Nada de palestras,
performances ou piqueniques. Lá, só planta podada vive. No restaurante Hélio Oiticica se passa fome na
fila, mas não pode levar comida. Mergulhar pelado no lago, nem sequer se
proíbe. O que me faz suspeitar que ninguém ao menos tentou! Embora eu esteja
certa Yayoi Kusama me acompanharia.
Inhotim
é um museu com um enorme vaso da plantas para melhorar o cheiro de naftalina. E
como todo museu, vive de coisa morta. Se fosse arte barroca, estava tudo certo.
Mas uma arte-moderna tipo Oiticica em um ambiente tão restritivo é de dar nó
nas tripa (assim mesmo, sem plural). É porque eu gosto muito da proposta do
cara, e de fato, curti demais a galeria Cosmococa. Até podia interagir com as
coisas seguindo a proposta do artista. O que, de fato, fez a alegria da
criançada. Mas não tem com ignorar contradição
de colocar Jimi Hendrix e cocaína na vitrine do parque vigiado. Não tentem fazer isso em casa! Enfia conteúdo alternativo e fora de contexto goela
abaixo, tampa o nariz e engole que é chique. O que necessariamente acaba causando
os comentários mais toscos de pessoas que percebem que tem alguma coisa muito
errada nisso tudo. Isso até eu faria em
casa.
Será
que artes visuais é isso mesmo: só estética estática? É só para ver e não para
viver? Porque não foi isso que eu entendi, pelo menos em relação aos artistas
que eu cito. Isso pode ser uma limitação vulgar e primitiva, possivelmente de
origem indígena. Mas dificilmente me toca o que não posso tocar. Nunca gostei
de pavê, só para comer. Até por isso a minha identificação com o movimento antropofágico e o tropicalismo .
Entendo
que pessoas frenéticas tirando fotos o tempo todo, falando alto, jogando lixo e
fazendo estardalhaço atrapalham a experiência do contato com as obras de arte.
Mas será que a solução é proliferar proibições sem discussão como qualquer
shopping center? Para mim isso é tudo medo de pobre que não sabe se comportar
como europeus civilizados. No entanto, o que lota Inhotim no feriado é o pobre.
Ou, pelo menos, uma classe média que não quer só comida e anseia por cultura e
coisa bonita. Mas a arte é muito mais que coisa bonita. Como diz o poeta Chacal
no livro Uma história à margem: “A
cultura pode mais, muito mais, do que apenas servir de pasto a nossas
necessidades estéticas e espirituais. A cultura pode mudar um ambiente, trazer
luz a uma área cinza. A cultura é capaz de revitalizar espaços degradados
onde o poder público não conseguiu chegar. Foi assim com a Lapa, no Rio de
Janeiro e a praça Roosevelt e São Paulo.
Por
experiência própria, como poeta, posso dizer a arte pode transformar a vida das
pessoas. Mas esvaziada do corpo a corpo, não pode quase nada. Pode nem proporcionar interações menos restritivas em um parque que expõe artistas vanguardistas.
Aí fica parecendo que arte é coisa de
gênios eleitos, e não tem nada a ver com crítica ou política prática. E
isso certamente não é por ingenuidade.
Faz parte da proposta capitalista: Che Guevara na camisa. Nem por isso a coisa
deixa de ser bonita. Só que pouco nutritivo, com um gosto de embalagem. Pensando
bem, em Inhotim até que é fácil ser subversivo: é só falar alto, fumar um baseado escondido e levar comida na
mochila. Mas no lago eu não pulei.