segunda-feira, 29 de março de 2010

A Manoel de Barros

Palavras são como pássaros
A prosa é o ninho
A poesia o vôo,
Fora da asa.

Palavrear

Ilusões me pescam, pela boca
Carne do mar, revolto
Mordo o ar, não solto!

Morder o ar
Urge a mordida
Quem me decifra?
Quem me devora?
Demora.

Pela boca, morder o ar
Não vai adiantar
Ar de se evitar
Quando só, morder o ar
Essa hora.

Palavrear
Jogar o ar no ar
Vento que venta lá...
Volta cá?
Querer mudar de ar.
(In) Ventar.

Morder o ar (ou a carne do mar).
Não há de saciar
Levar o ar para o mar
Amar
Em bolhas de silêncio
Mudo
Mudar o ar pelo mar
Ou pelo menos tentar.

(a se continuar...)

segunda-feira, 15 de março de 2010

Semear

Não oferecer o corpo em sacrifício
Não ceder à vertigem precipício
Nem tapear com tapetes abismos
O que há de mais belo
Apelo qual me desespero
Ao vê-lo.

Convivê-lo
Habitar suas bordas
A beira...

Mirá-lo
Por um triz
Com cuidado
Miragem
Equilíbrio delicado
De não crê-lo
Mas criá-lo
Prosseguir sem mais
Não trilhar a trilha do que atrás

Que foi, foice
Jaz no triz do tempo fosse
Deveras degustado
Antes de e tardemais
Dorme aqui entre meus dentes
Jaz

Fiapo de tempo
Por um fio
Aspira momento
Como passado
Te como bem assado!
Num trincar de dentes.

O que se aspira - só
Só se pode aspirar - pó
Somente
Será?
Se pega,
Se muda,
Se dá?


Semente
Que se planta em gente
E transita diferente
Pelo vôo
Vou.

No bico pela asa
Que voa sempre a par
Morrer pra semear
Que morte, que viva
Que voem para todos os nortes!
Amantes de todas as sortes

Que será
Só quero saber do que pode semente
Sem pretender saber qual dá
Entre abismos e serpentes

Deixar florescer novos mesmos caminhos
Casaninho de carinhos
Que fio entretempo
Confio e desfio
Pelo fio da meada
Um lugar pra morar
Tecido do que é com o que se quer
Que voa entreventos
Semear

Todo mundo entre mim

Natural é nem aí
E a festa um ritual
É banal e a gente ri
Mas de fato não se vê
Uma forma de crendice
De gente que só se crê.
Uma forma de tolice, relaxa!
De que sem se perder, se acha.

Eu estou bem aqui
Tu ali, outro acolá
Puxar assunto é prece
Tentativa que merece
Mas se esquece de ligar

Como fio encapado
Esse alfabeto encadeado
É o jeito natural.
Onde fato encontra fato
Em uma ato de contrato
Cada um no seu cada qual

O caminho retilíneo
Imperativo da finalidade
Apressado de razão
Os pés presos ao chão
Perco o fôlego, percorrer
De que serve caminho não ver?
Melhor andar na contramão

O que distorcido é
Há de torcido ser
Se natural é a miopia
Eu prefiro a beleza
Dá-lhe lentes e poesia
Que se reinvente a natureza!

Arte ofício de ser são
Arte não oficial
Artifício e intenção
Subversão do natural

Arte artificial
Artesanato da beleza
Que não é industrial
Artimanha sem igual
Um rabisco na certeza
Fora do estado normal

Eu prefiro fazer arte
A ter que fazer social
E é em dia de sarau
Que estou bem aqui
E ao dizer e você me ouvir
E vice-versa lá vai conversa
A gente troca em substância
E se cria, na consistência.

Arte é assim.
Faz do fato, artefato
E do trampo, trampolim
Num mergulho sem fim
De todo mundo entre mim

Coração artista

Nasce na cidade, um coração artista,
uma necessidade
Se vivesse na floresta, prescindia de festa
para estar junto dos seus
E não sofria de adeus
Ou prazo de validade

Onde lado a lado é separado
Cada vaso é concreto
E há de ser regado
De carinho e afeto
Protegido do excesso

Cada qual uma semente
Que passa choro e enchente
Ou sol que faz,
Freqüentemente demais.

Amendoeira no jardim protege flor
Mas assalto e barranco que despenca é muita dor
Para criatura assim tão delicada
Na tempestade, despedaçada
Cuidar a flor não é favor
Prá quem beleza é um valor

Coração artista
Ar triste de nascença
Asfixia de indiferença
Cada um cuida dos seus
Cada qual com seu cuidado
Devidamente negociado
Ou há festa em que todo mundo é convidado?

Assim se vive em dívida
Há de se pagar a conta de cada necessidade
Que não brota do chão
Artista solidão
Escolher a trilha onde nasce um coração
No alto da montanha ou sob um viaduto

A cada passo o peso do corpo inteiro
A força de querer não basta
Paciência, persistência, inteligência
Só compõem a concreta consistência
Que sabe só de porta aberta

Consciência na cidade
Entre nós e além
Do mal e do bem
Independente da vontade
Ou da vaidade

Pra viver em liberdade,
o cuidado da necessidade
se planta em cada nós.

Fantasia de Carnaval

(À Joaninha, André e todos os amigos que fizeram o Carnaval tão bonito!)

E num instante, eu me esqueço que estou na cidade.
Brisa de fugacidade, tudo muito natural.
Uma fuga da cidade pela cidade.
Pela folia, do Carnaval!

Natureza em festa.
Animal, vegetal, mineral, floresta.
A expressão da flor, que ria...
É inevitável, faz parte da fantasia
Se fosse outro dia não seria...
Mas é Carnaval, um jardim de alegria!

Uma amiga canta,
que a tristeza não pode pensar em chegar.
Lá está na garganta, e as lágrimas vão rolar
em uma solução:
Som e multidão prá lavar a solidão.
Doce dissolução desse individual.
Uma onda de pegar junto, no agito do Carnaval.

E se nessa corrente vai, que se leve.
Se a canoa não virar, pro diabo que o carregue!
Um som nos envolve de repente.
“Eu chego lá” eloquente,
é a música que nos rodeia!
Somos banda, som e bote em maré cheia!
Mas sobretudo somos gente!
Um Rio de Janeiro de gente.
Que de folia faz enchente!
De presentes e ausentes.

Navegante de histórias mil.
Amigos por toda parte.
Alguém fala comigo com tanta intimidade.
Me pergunto se é conhecido, mas não tem necessidade.
No Carnaval, do incomum se faz comunidade.

Em cada face um cardume de possibilidades.
Maré que leva, o segredo é a fruição.
Deixar fluir com uma certa atenção...
Cuidado! No meio da multidão
Quase atropelo um carro-tubarão.

E no contra-fluxo tudo fica mais bonito.
Cor de gente nessa luz.
Testemunha da mistura.
Do suor com a saliva.
E como sua esse momento!
Como se fosse meu.
Mesmo que seja eu.
Embebida de folia.
Que respinga em quem espia.
No deleite do calor.
Evento que poderia ser importante.
Semente de uma história emocionante, poderia...
Ou pequena gota irrelevante.
De conteúdo dissoluto.

Uma frase de conversa, escuto:
Pode querer dizer qualquer coisa dependendo do contexto.
Mas para mim é um laço com o qual faço uma poesia.
E com qualquer fragmento, se faz uma fantasia.
Num banquete de símbolos e sinais.
Pinto um nariz de vermelho, um palhaço se faz.
E nesse confeite, cheiro bom de gente!
Que não estaria assim tão rente,
se não fosse o Carnaval.

E num momento...
Esqueci que vivia.
Essa foi minha fantasia.
Tudo muito natural.
Em machinha fomos banda e bando.
Foliões brincando.
Um jeito de nadar...
Um mergulho na cidade.
Quando Rio encontra terra.
E a tudo faz viver.
Nasce uma alegria.
Tudo muito natural.
Essa foi minha fantasia.
Nesse Rio-Carnaval!

Pipocarnaval!

Artista tá ligado
Sabe bem quem é cantor
Quem é de palco sabe
Ainda que professor
Gente é bateria
Energia, sabor, calor

Desencapa, vai
Desencana, vai
Desfia a carne
De cheiro
Deixa fritar
Suar tempero

Pipocaqui picocalá
É (Po) pular
Que nem milho na panela
Vem brincar
Deixa de balela
Choque de prazer
Arrepia de alegria
Afinal gente com gente, não pode dar alergia

Bateria de Carne
Cada corpo quanto sal
Só quem sentiu na pele sabe
O calor do Carnaval

Na Pedra do Sal
Sabe o samba da favela
Bom mesmo é fazer
Que nem milho na panela!

Na Pedra do Sal
No suor que des- tempera
Vou fazer com você
Que nem milho na panela!

Real certeza

Dance para a realeza,
coração bobo da corte.
Desfrute de sua real grandeza
Dedique poemas a sua beleza
Sente-se à mesa
Saboreie a certeza
E dê adeus, e vá embora.

Vai viver a entrelinha do perfeito
O que está no papel não está no céu
O que está feito está feito
Você todo por fazer!

Aflora-te, arruma-te, perfuma-te
Vai pintado, despido e vermelho
(cor do mando dos reis)
Se apressa para a festa
É casamento, é real!

E a princesa, e a princesa?
Princesa de papel
(Per) feita de pincel
Castelo de areia
Distração do coração

O que poderia ter sido através de certas portas. Quando abertas.
Portas incertas
Não há fresta
Há festa
Espia não
Ficção viva?
Fixação
Coroação cabeça
Majestade coração!

Assombra


A Ana, por compartilhar visões no mar!




Espelho de ondas no mar
Força de luz e de tempo
Trasborda o entardecer
E inunda a visão
(Não te posso habitar)

Sombra da onda
Passado do destino
O que eu guardei para esse momento
Sombra, sopro e saliva
Espuma de expectativas

Avesso da luz
Reflexo do espelho
Variedade de tons de vermelho
Em camadas

Especulação
A espreita, de joelhos
Habitante da sombra
Eu vou através do espelho
E volto! Sempre!
A sombra da onda,
Assombra!

Batismo

Lavou-me os pés e sussurrou
Com a brisa um segredo:
Jogar fora o que não fica bem na poesia!
Um verso a cada fantasia
Uma rima a cada medo.

Lambida ao sabor do vento
Fez de sua espuma minha saliva
Se o mar me batizou poeta, tento
Pegou-me a onda, sou cativa.

Saúde!

Ser poeta, ser poeta
Como se teu olhar me afeta?
Mas assim mesmo eu vou
Só te peço um favor
Não repara meu pudor!

Ser poeta, ser poeta
Preocupada em agradar
Lanço rimas pequeninas
Como pernas de meninas
Lá no topo das colinas (sedutoras)
Sei que você vai gostar!

Ser poeta, pirueta
Citação é treta?
“Nem sequer sou poeta, vejo”
Lá do botequim
Poesia chinfrim
Cer veja você também!
E bata palma e diga amém.
Saúde!

Amador

Ama a dor
E faz mal feito
Crê-se muito sofredor
E bate seguro no peito

Não vem com esse papo de dor
Que eu não suporto essa rima
Verso de amor e dor...
Eu não assino essa sina

Amor assim perfeito
Não exige faculdade
Ofício sempre sem jeito
Não reconhecida atividade

De torto, sempre direito
Qual que seja a formação
A casa e o efeito
Não exige profissionalização

Sei que sou também amador
Como poeta
E que essa é minha sina
Passar pela dor
Prá fazer a rima...

Mas se vou fazer,
Que seja bem feito
Mesmo que amador
Amar sim
Mas não só a dor
Amar tudo que tem direito
A dor, o amor, o peito, o jeito
A rima
A sina
A cima

Abaixo a dor
Grito alto ato mudo
Seja lá o que for
Que venha com tudo!

(Viva Gabiruba!)

Onda urbana

pegando jacaré nas multidões
peneirando um mundo de ilusões

se peneirar elas aparecem
e se bobear elas te pegam pelo pé

buscando um bocado de visões
atravessando um espelho de razões

se cara, frente, muro
quebra, não se requebra

Eu Solar

Sabe lá
que eu sou, lá.
Eu solar
e sou lar
Vem morar?

Só sei que eu soul
samba, forró e o que vier.
Pois ali se remexe sempre que dá pé.

Eu sou só.
Mas só se som faltar!
Eu sonora.
E sou eu.
Misturada na massa de nozes

Pra não desandar tem que mexer.
Tem que mexer. Tem que mexer.

Cadeia Elementar

Boca aberta e saliva
Víscera nervosa desencadeia
Espreita e não avisa,
Alcança essa pança cheia!

Hum....

Prazer... alimentar
Prisão... alimentar
Cadeia... elementar.

Prende a caça
Caçador
Preso à caça
Predador

Presa preza
Essa dor.

Tanto faz?

Poderia escrever os versos mais belos esta noite.
Escrever, por exemplo: Se respirar é preciso, que seja o teu perfume.
Mas as metáforas são perigosas.
(Um amor pode nascer de uma metáfora!)
Eu já vi esse filme e eu morro no final.

Esquecer sempre é.
A luz da lembrança apaga.
Primeiro o cheiro, depois o som e a cor. Dor.
Até que... nem mais.
E o que fica é só um tanto num canto que nem conto.
Um tanto que de tanto, faz...

Dentro e fora, In-de-ciso

Dentro e fora, contrários da mesma coisa
Sim e não, perspectivas da mesma opção
Só se for agora e jamais, sempre tanto faz.

Entrementes...
Entreatos...

Indeciso, deve ter alguma coisa a ver com o dente do juízo
- que no meu caso, incluso, não nasceu.
(Não é) questão de (ins) piração
É caso de cirurgia de ciso, de-cisão.

Entrementes...
Entrefatos...

Unidunitê
A ou B. O que vai C?
A opção dada
A pergunta perguntada
Previamente falseada
- Fica-se sem opção

Certo ou errado?
Verdade ou mentira?
É fato consumado?
- Fica-se sem opção

Vai-se o ciso
Fica o prejuízo
Vai-se o caso
Fica a poesia.

Entrementes...
Entretantos...

O atrito dos dentes
Ainda que doentes.

Entredentes...
Entreato...

Linha de fuga é ato, não contrato
E também é risco
Tanto que não sei, treco misto
Entre o sim e o não.

Entre o que sinto e o que pão
Entre o tanto e o nada
Entre a ação e a palavra.

Às vezes se excede
Outras vezes, se falta (mas nada...)
Coisa difusa confusa
Caso de cisão

É preciso.
Não fugir à fuga,
Riscar saída
Dizer com certa ação
Dar com a cara e com os dentes
É o ciso. É preciso.

Indeciso sem razão
Caso de ciso
Inda melhor que caso de cisão!

Enquanto isso, coração.

Enquanto isso
Bate coração, a cada segundo
No ritmo do mundo
Na batida do tempo
Acaso, encontro, esquecimento
É lento? É lento? Não! É tempo!
Sempre em tempo
Independente da vontade
Independente da mente
[mente é coisa que se acha]

Fora do tempo
Calcula, avalia e complica
Mente doente!
Crê que controla e dita
Mas pensa diferente
Quando com febre ou dor de dente!

Mente fascista
Em ditadura do prazer
Ao coração em cadência marca o passo
Acelerando o viver

Pobre coração
Forçado a sangrar a mais e sorrir feliz
Salgado, mal temperado
Machucado e mal tratado
Faz tua revolução!

“E por falar em revolução, cortem-lhe a cabeça!”.

Libélula e vagalume

Eu lírico amante de mim
Eu cínico alienante daqui
Órbita de insetos diversos

Tão bela e tão praga
A libélula tola e avoada
Insetina apolítica alada
Que avôa boba pela luz que a seduz

Paradoxo de ficção
A libélula e o vagalume, em vôo são
Átomos de luz e nós
Explosão em fogos de artifício
Cogumelos de cores nos céus em precipício

Lá vai li bela
Cega radiante
Sobe em arrepio delirante
E se esvai em vôo vago de lume

Vôo vão e pagão
Cópula de sim e não
Que não dá luz, pois pare sombra
E sombra não ilumina
Os olhos do insetos que bate no espelho, a-traído pela luz.

Mas se por algum motivo ou razão de espelho
Ao inverso, reflexo e do outro lado
Aos olhos iluminasse e libélula visse
Que veria?
Nada a ver. Perderia
A luz que não alumia, alegria.

Vagalume afluente de todas as possibilidades imanentes
Paraíso distante de rufores crescentes
Tambor eloqüente de certeza de acontecer...,
E destino desfazer
É não. Espelho cego que se crê
É sim. Vagalume de você
E só. Assim. O Não. O fim.

Minha lista de blogs