domingo, 25 de abril de 2010

Saída rasteira, Ah pés!

Rapaz,
Eu bem que queria
Mas é que meus pés não topam a cantoria
Para eles é perigo de acordar
fora de hora e tropeçado
de pernas para o ar e no lugar errado.

Preocupados estão
Com o que há de concreto
Cada passo tapa do chão
A mais baixa hierarquia
O caminho de casa não desvia
"Vontade é coisa que dá e passa, sua sabedoria".

Dependente dos pés, passo
Por seu viés, cada percalço!

Não vê como se agitam?
Impacientes que quase gritam
Não gostam de esperar

É que esses pés carregam a responsabilidade
De me levar todo o dia. Pro trabalho, prá boemia...
Diferente de mim que adoro a imprevisão
Meus pés preferem a estabilidade
Carregam o peso de cada vontade
E vestem sandália fetiche do frio
Ah... se lhes contrario!
Batem firme no chão

E fazem sua prece:
De até tropeçar,
Mas ter sempre onde cair
O convite agradecem.

Tá de pé,
Vou num pé, mas volto noutro
Pro que der e vier.

Ah pés!
Juro de pé junto que lhes faço vontade
Fiés!
A pé o caminho é
Até...
Quem os esquente
Exigentes...
Não serve qualquer um
Experientes estão a par
Que sozinho não se vai para frente

Ou vão quicar até doer
Não é a toa que os atenta
Esse tal Saci Pererê

Mas dos meus pés o sonho é dança
Não pula pula de criança...

Rapaz eu bem queria...
Mas meus pés...
Ah pés...

Para com eles eu ficar bem
Ah de se lhes respeitar
É que meus pés já tem par...
E eu também!

Pelo bordado de Penélope

Há quem creia na virtude
E caminhe sobre a lisa superfície da moral
Em percurso retilíneo
do fino trato social

Gente que crê no dinheiro ou no Diabo
E tropeça vez por outra na culpa do pecado
Vida em mundo pré-determinado
Caminhando de olho fechado

I – Por um lado

Há quem, por um lado
Note que o caminho é vidro fino
Sobre a vasta superfície da água

O mergulho é uma loucura
Cair em si a vida em fluxo
Extravasando a estrutura

Há de se desesperar
De descaminho
E buscar da água o vinho
Um lugar pra se agarrar

Veneno que assegure
alguma fruição
Ética etílica
De frágil definição
Uma gota molhada na razão do mapa
E retorno certo pelo empuxo da ressaca
(De cara com o vidro
careta no chão)

Escolher sem pejo
a substância do desejo
O luxo de fluir
para certa direção
Caminho de si à si
Cujo fim
é o início
Fissura de vidro
pelo vício
A saber de antemão
O destino que me ( a) cabe
E me deságüe.


II – Pelo contrário

Há quem, pelo contrário
Mergulhe de cabeça
E o caminho esqueça
Pela cachoeira do juízo desça
Precipício no vazio
Corpo entregue em sacrifício,
Ao canto da sereia, no fundo do rio.


III – Entretanto

Há quem, entretanto
Nem mesmo à resposta do vício acuda
O canto da sereia escuta
Amarrado ao mastro do mar

Navegante atento
Sob os pés só o vazio
Ilusões não mais pescadas

Verdades submersas
E vontades que se fiam juntas
Redes de corações

És Ulisses enlaçado
No bordado de Penélope
Pelo fio de Ariádne

Atento à beleza e ao fio da razão
Tua sabedoria
É tua pena
Fruir um fio da maravilha breve
Experimentar o desejo do mar que não deve
E viver uma vida toda sem vê-la

Tua heroína é Penélope
Tua salvação
Da sereia da vontade passageira
À princesa do reinado redenção.

Psicologia do chão

Nem todo mundo é assim
Mas eu já caí do berço
Lembro do gosto de frio que tem o chão
Guardo a vertigem do quarto
A espera de mão da mãe que não vem
Ou de algum ruído que diga meu nome
Chamando pelo telefone
Que me resgate pelo ouvido
Num colo de sentido

____

Já passei por isso e passo
Mas já é diferente
A mão da mãe é minha, a levantar
E ninar criatura que não caia como eu...
(quem sabe um dia, sonho)

Eu sou a salvação de mim.
Pelo outro.

____

Chorei tão alto até que me escutassem
Agora já não choro mais
Pego o telefone e ligo

Eu que já sofri de gravidade
Relativiso a igualdade
E nem respeito leis da reciprocidade

Não meço e não me queixo
Ligo para amigos que não me ligam
Me atendem felizes e alegre fico
Me explico: nem todo mundo caiu do berço!

Salvação é não esperar

O fato é que eu escolho os meus amigos
E escolho ainda mais, os que me ligam também!

Vontade de criança

Vontade de criança
Tudo é brinquedo
Cada treco um segredo
A ser cutucado
Futuca a fresta da porta
Na festa
Escala a soleira
De sola a brincadeira
Entre tornozelos, calcanhares a dança
De ser criança

Criatura infante
De querer gigante
Vontade que invade a sala
Toma conta da festa
A chorar...

Há de suportar,
Tamanha dependência
Por querer mãe que baste
E não se gaste.

(Mães sempre se gastam)

Que lhe venha a sorte que for
O assoalho que lhe sustentar
A porta que lhe couber

Solidão de ser criança
Mundo próprio
Brincadeira inventada
Há de se pagar o preço
De acabar

(Mães sempre se acabam)

Inventar a troca:
Mundo seu,
pelo compartilhado
A fresta pela festa -
Começa na porta da festa.
O brinquedo que tudo é
Pelo trago e pelo gole
A mãe pelo par
Que também não vai bastar.

sábado, 10 de abril de 2010

Questão de Gênero

Se para ele acaso
Para ela a casa
Se ele canto e amasso
A moça encanta
Ele quer o caso
Ela a meta: Pinta, pinta!!!
Pinto? Meto! (diz o afoito)
Pinta a casa. Ponta a ponta.
Pra ele ponto.
Final.

sexta-feira, 9 de abril de 2010

O ciclo da águas

Uma antiga moradora do Rio de Janeiro em comentário acerca das enchentes recentes disse que elas provavelmente deviam ser causadas devido ao mau hábito do carioca de soterrar os rios.

Numa rua feita rio (de Janeiro)
Agruras de Março fechando o verão
(Ainda que em Abril)
Soterrados de concreto
Revolta de rios mil

Calendários alterados
Tempo que se conta em chuva quanta
Tanta chuva que não basta
Água hora que se gasta

Promessa de vida, nem diga
Só se for de dívida, mendiga
Sentença de morte natural:
Rio soterrado sob pedra artificial

Rio pobre sem teto e sem leito
Desabrigado, está no direito
De chover um rio sobre um Rio
Para desaguar em paz

No barranco que seu curso faz
Monta seu barraco a beira morro
Construído sobre a fé
Há de descansar em paz

Rio zumbi fora de hora
Pobre sujo e sem leito
Sob o barro se apavora
No olho do asfalto
Sobe ao alto e chora:
Um rio de amargura.

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Aspiro

A poesia não planejada
A palavra precoce criança
Que me atravessa a garganta
Afoita sem ser convidada

Mas que bem vinda
A rima casual
Com sua alegria brinda
Em brevidade de carnaval

Poesia do meu tempo
Que se dá a ser lembrada
Curte o breve momento
Atravessando a madrugada

De boca, copo e encontro
A ser bem compartilhada
Dona da casa e do canto
De cada um a camarada

Poesia espontânea
Ou com afinco talhada
Poesia momentânea
E da consciência pesada:

Já é tarde vam’bora!
Toda festa tem um fim
E poesia não tem hora
Mas o trabalho tem sim!

Me cansei de lero lero

Me cansei de quero-quero
dá licença, mas eu vou deixar o lero lero...

Faça tudo que você faria por um lado e por outro,
veja de que lado fica.
Se nenhum, repita.

Se natural é repetir igual...
Tenho aqui um artifício em mente:
Repetir repetir até ficar diferente!

Querer querer...
Nenhum querer passa impune
E ninguém está imune.
(Sem querer é vacina que se dá depois da hora)

Importunar o acaso com vontade, muita!
Mas vontade é coisa que dá e pressa...
(Espécie de vicio - seguido de fissura de si: dança com o espelho de eu-lírico seu com eu-lírico meu num baile cínico.)
Importunar o acaso com vontade, mútua!

Quero o que tenho, que me venha
Tenho o que traço, e me abraça
Traço o que teço, e me vista
Aconteço e arrisco!

Quer quer,
não quero quero
Me cansei de lero lero.

A Maral

A linguagem está para a sacanagem
Assim como a meta-linguagem para a pornografia
Analogia? Uma orgia de idéias.

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